Entrevista a Boris Spassky do Jornal Russo Sport Express.

Entrevista de Yuri Golyshak e Alexander Kruzhkov, no dia 4 de março de 2016. Na foto abaixo, à esquerda,   Boris Spassky, no ano passado, na mostra de Berlim, na estreia do filme " Pawn Sacrifice", um filme sobre o seu match com Bobby Fischer (Foto de Clemens Bilan / Sebastian Reuter) . Na foto da direita, Boris Spassky, com notáveis convidados depois da Cerimónia de Encerramento do match de 2014 World Championship ;  Anatoly Karpov, de costas, junto ao campeão mundial, Magnus Carlsen. Ao lado deste, o presidente russo, Vladimir Putin e o ex campeão mundial, Wisnanathan Anand, GM, ( ao lado de Spassky ), e à direita, ao meio, o presidente da FIDE, Kirsan Ilyumzhinov. Esta foto é de Anastasia Karlovich, do site Sochi 2014. Ao meio, à esquerda, os candidatos Boris Spassky, à direita e Anatoly Karpov, à esquerda, em Leninegrado, na Rússia, em 1974 ( Foto  TACC). À direita, em Reykjavik, na Islândia, em 1972, partida do match do título mundial entre  Boris Spassky e Bobby Fischer. Mais abaixo, à esquerda, em Moscovo, em 2001, Boris Spassky e a chinesa Zhu Chen, campeã mundial feminina nesse ano e até 2004. À direita,em Moscovo, em 2004,  Anatoly Karpov e Boris Spassky. Ambas as fotos são de Alexander Fedorov, SE.

O 10º Campeão Mundial de Xadrez  Boris Spassky, sempre foi um dos homens mais eloquentes no xadrez, e, apesar dos 79 anos de idade, agora luta para se mover muito longe de seu apartamento em Moscovo, pouco mais parece ter mudado. Em uma nova entrevista, ele discute um divórcio amargo, o retrato de si mesmo e de Bobby Fischer, no filme Pawn Sacrifice , o que realmente aconteceu durante a partida de 1972 (era um dos seus segundos, um espião norte americano?), seus encontros com Viktor Korchnoi e muito mais .

Boris Spassky no ano passado na mostra de Berlim do Sacrifício Peão, um filme sobre a sua partida com Bobby Fischer | Foto: Clemens Bilan / Sebastian Reuter, o site oficial

Boris Spassky estava falando com Yury Golyshak e Alexander Kruzhkov em uma longa seção "entrevistas de sexta-feira" do jornal russo Desporto expresso. Nós já traduziu alguns dos destaques abaixo:
A situação actual

Como você está se sentindo?
Boris Spassky: Dois ataques em dez anos. O primeiro aconteceu em San Francisco, onde eu estava dando uma palestra de xadrez. A operação correu bem e eu podia mover-se novamente como um cavaleiro. A segunda vez atingiu-me em Moscovo. Por agora eu estou me segurando,vivo! Mas meu braço esquerdo e perna se comportam mal. Eles estão em greve. Mas minha cabeça  funciona.

Você sai em tudo?
Às vezes eu viajo. No outono passado eu estava na estréia do filme " Pawn Sacrifíce" em Berlim. E recentemente em Moscovo celebrei o centenário do nascimento de Paul Keres - uma grande figura no xadrez. Eu parti para terras distantes - na estrada de Khoroshevskoe  (uma  rua em Moscovo), eles construíram um novo edifício com  biblioteca científica e técnica. Então, eu tenho de manobrar em todo o tabuleiro ! Além disso, eu estou travando uma guerra!

Que tipo de guerra?
Eu estou me divorciando da minha esposa francesa e estou a ser deixado alto e seco. Estou perdendo toda a minha propriedade!

Realmente tudo isso?
Sim. Talvez eu consiga salvar o arquivo de xadrez. Minha esposa é teimosa. Meu filho francês também. Ninguém diz "não". A formulação é, "Venha e tire você mesmo". Mas com a minha saúde, é uma manobra difícil. Eu já entrei em acordo, sendo inevitável as perdas. É uma questão de técnica. Mas, por outro lado, não há vidas a serem perdidas. Em 2012 eu tive que fugir da França, então deixei lá tudo. Pelo menos eu estou vivo!

Você mencionou que voou para ver a estreia de " Pawn Sacrifície".
Eu não voei. Eu fui de comboio para  Berlim. Isso é melhor para a minha saúde, mas o filme acabou por ser fraco.

O que você não gostou?
Minha memória mantém tudo - eu ainda estou vivo. Enquanto lá eles estavam jogando, atuando. Algum tipo de substituto!

Você tem uma forma incrível de se expressar.
Era tudo tão artificial ...

O ator que interpretou você - ele conseguiu alguma coisa certa ?
Eu não notei nada!

E Fischer?
Também alguma falha. Este ator vira os olhos, mas Fischer foi diferente! Sua altura, os gestos, o comportamento ... Não há nenhuma intriga no filme e a principal coisa está faltando - como eu concordei em continuar o jogo. Eu poderia, afinal, ter colocado um fim a isso tudo e sair como o vencedor!

Você estava certo para ficar?
Em retrospectiva eu ​​acho que  fiz isso em vão. Eu deveria ter deixado Fischer conseguir o que queria. Ele tinha começado a conceder a partida! Imagine que éramos pugilistas. Se um deles diz: "é isso, eu desisto" você aceita! Mas eu recusei.

Ele percebeu que estava sofrendo?

E mais! Ele não apareceu para o segundo jogo. O árbitro colocou os relógios a trabahar - e averbou derrota a Fischer . Antes deste match, ele nunca me tinha ganho.

Você apareceu para o terceiro jogo - e perdeu pela primeira vez.
Sim, isso deu a Fischer enorme confiança. Ele percebeu que poderia lutar.

Os oficiais soviéticos insistiram para  você desistir ?
Sim, eles ordenaram! O Presidente do Comité de Desportos, Sergey Pavlov, falou comigo ao telefone durante meia hora. Ele disse - me o que fazer: "Escrever um protesto contra isto e voar para casa ...". Mas eu insisti que queria jogar! Um tolo, é claro. Afinal, a partida foi para além dos interesses individuais.

Parece que estava confiante de que iria vencer Fischer?
Eu senti pena dele. Eu podia ver que ele estava ficando louco! Eu tinha um bom relacionamento com Bobby. É Korchnoi que precisa odiar o seu adversário para jogar normalmente. Eu absolutamente não sou assim. Sentado à minha frente era uma criança que estava perdendo seu juízo. Que tipo de ódio poderia haver?
Mas um desportista deve ter despertado em mim, alguém para quem a vitória é mais importante do que qualquer outra coisa. Eu não recorri a nenhum truque - em contraste com Fischer, que se saiu com todos os tipos de declarações aleatórias. Ele criticou os organizadores da Islândia, o presidente da FIDE , Max Euwe, os soviéticos. Se as aves parassem de cantar na Baía de Reykjavik, quem seria o culpado? Spassky! Mais tarde, percebi que tudo isso provocação foi deliberada.

Sério?
Atrás de Fischer estava um ideólogo chamado Lombardy. Sua idéia era me manter sob stresse psicológico constante. Já durante a partida eu sentia que alguém estava colocando uma forte pressão sobre Bobby. Naquela época, eu coloquei em baixo para Cramer, que o homem louco que estava à volta de Fischer, agitando com problemas ...

Você está falando sobre o coronel, que liderou a Federação de Xadrez dos Estados Unidos?
Não, o coronel foi Edmondson, enquanto Cramer era um homem de negócios. Um incrivel fofoqueiro !

Eu perdi outro ponto - antes do terceiro jogo, houve uma cena entre o Chefe Árbitro Lothar Schmid e Fischer. Bobby gritou: "Ei, cale a boca!" Que tipo de conversa foi essa ?!
O que isso teve a ver com você?

Eu simplesmente precisava de dizer : "Bobby, é suficiente por hoje. Vamos jogar de novo noutro dia "que eu me encontrei com Euwe antes disso:" Boris, você pode deixar o match a qualquer momento - Eu entendo essa decisão!. Bobby comportou-se terrivelmente. A um candidato nunca se tinha permitido algo como isso antes ... "Para o presidente da FIDE  falar tão abertamente é notável!

Ele tinha uma má opinião de Fischer?
Em 1975, Euwe teve sua vingança - ele lhe tirou o título de Campeão do Mundo e o deu a Karpov sem se realizar um match, mas isso já é outra história.

Você conheceu Lombardy depois?
Cerca de três anos atrás, em Dresden, num torneio para grandes mestres com mais de 75 anos de idade. Lombardy apareceu lá . Eles me disseram o que ele disse sobre o match com Fischer: "Nós queremos perturbar Spassky a todo custo. Ele não devia ter uma idéia do que estava acontecendo ... "Ao mesmo tempo, eles estavam com medo, acima de tudo, que eu ficasse farto e batesse a porta.
Eles foram equilibrando na borda.
Eu acho que eles sabiam o que estava acontecendo na minha equipa.

Como?
Eu escolhi como um dos meus segundos, Iivo Nei da Estónia. Ele acabou por ser um espião americano. Ele conspirou com Robert Byrne, que dirigia a secção de xadrez do New York Times e seria o seu co-autor de um livro sobre o match. Nei estava ciente de todas as nossas ideias - e os americanos esperaram por suas informações. Se eu tivesse decidido desistir, a equipa de Fischer teria sido informada imediatamente.

O destino trágico de Fischer.

Fischer contorceu-se de paradoxos. Um solitário, ele lançou um desafio à ordem mundial. Pessoas inocentes morreram no 11 de Setembro, mas ele apoiou os terroristas, trazendo o fogo para si mesmo. Para os islandeses ele ainda era um herói. Eles não tinham medo da América. Eles ameaçaram que, se Fischer, um cidadão do seu país, fosse preso, em seguida, todos da Islândia iriam para a prisão com ele. Um homem com um destino trágico. Eu percebi isso, quando vi Fischer pela primeira vez .

Onde?
Em Moscovo. Ele tinha 15 anos. Um garoto magro que chegou com sua irmã Jane. No clube na rua de Gogol, ele jogou  Blitz com Petrosian, Bronstein, Vasiukov e Lutikov. Sentei-me no tabuleiro oposto a ele, passado outro par de anos, no torneio em Mar del Plata.

Sua última conversa com Fischer?
Discutimos que movimento é mais forte: e2-e4 ou d2-d4? Concluimos que era o segundo, uma vez que o peão é defendido pela rainha. Bobby ligou para ele mesmo. Eu nunca o incomodei por telefone desde que eu sabia que ele tinha começado de novo com o seu discurso sobre o seu xadrez "Fischer". Eu não aprovei essa ideia - há muitas variações - mas ele ficou preso com isso.

Você ainda sonha com Fischer?
Sim, isso acontece. Ele foi arruinado por problemas renais. Ele precisava fazer duas operações simples, mas Fischer recusou. Ele não confiava nos médicos e temia que eles o cortassem em cima da mesa. Ele também tentou dissuadir-me.

Quando foi isso?
Em 1977, em Reykjavik. Eu estava jogando nos quartos de final do Torneio de Candidatos contra Vlastimil Hort. No final do jogo eu me senti tão mal, que perdi a consciência perto do hotel. No hospital descobriu-se que era apendicite. Fischer fez perguntas e telefonou-me. Ele me sussurrou para o receptor: "Em nenhuma circunstância dê o seu consentimento para uma operação!" - "Bobby, eu não tenho medo de nada. Não há nenhuma razão para suspeitar de nada. É uma clínica respeitável, o médico fala russo ... "

Você esteve no funeral de Fischer?
Eu não consegui ir lá - minha esposa francês se opôs. Mais tarde, quando fui para Reykjavik, eu lançei flores em seu túmulo. Fischer deu indicações com antecedência - onde devia ser enterrado, que música deve tocar e quem poderia levá-lo na sua jornada final. Havia três jogadores de xadrez nessa lista - Andor Lilienthal, Lajos Portisch e eu.

Qual foi o lugar?
Perto de um caminho com uma placa comemorativa: "Aqui conheci o Althing - o primeiro Parlamento islandês". Aliás, esse é o primeiro no mundo, estabelecido em 930, antes dos Russos ' se converterem ao cristianismo. A música que ele escolheu era Green Green Grass of Home por Tom Jones. Eu cantei quando estávamos caminhando ao redor de Budapeste. Fischer pegou nele. Eu não sabia que ele conhecia as letras de muitas canções pop.

Korchnoi e Karpov.
No livro de Zagainov li - 1968, Kiev, a partida contra Korchnoi. Uma citação sua : "Eu entendi no primeiro dia  que ia ganhar, porque Korchnoi chegou com sua esposa enquanto eu apareci com duas loiras. Eu estava escolhendo, agitação sobre isso, e ele teve uma boa influência sobre mim. É necessário ter algum estímulo externo ".
Havia loiras. Talvez não duas, mas mais. Mas, quanto a decidir durante o match,o que que me inspirou para a vitória ... Não. Na época, eu  imediatamente percebi que iria vencer Korchnoi. Você quer saber porquê?

Porquê?
Eu juntei alguns amigos, fui de carro  para Yeysk, no Mar de Azov. Lá eu dei uma olhada nos últimos jogos de Korchnoi - todos eles com muitos movimentos!

O que isso significa?
Você realmente não consegue ver? Em vez de ganhar um jogo em 40 lances, ele o fazia em 140! A qualidade de cada lance era baixa ! Descobrir isso, me acalmou. Parei de me preparar. Fui pescar no mar e parti. Ganhei o match com facilidade. Não houve truques lá, mas, em seguida, em Belgrado, Korchnoi me acusou de "hipnose"!

Como você reagiu?
De algum ponto em diante eu o odiava. Pela primeira vez Korchnoi foi confrontado com um adversário que estava emanando ódio. Normalmente, tudo estaria do seu lado.

Como você conseguiu ficar tão excitado?
É muito simples - Korchnoi começou a interferir com o meu jogo! Quando o meu relógio estava indo ele fazia caretas.  A coisa mais repugnante foi que ele raspou as unhas na mesa. Algumas pessoas não suportam esse som. Quando ele ia me oferecer um empate, Korchnoi chamava o árbitro e passava a oferta de empate através dele, embora eu estivesse sentado em frente - dizendo o que queria. O seu comportamento realmente aborreceu Tigran Petrosian. Ele gostava de chutar as pernas de cada um debaixo da mesa, dizia -se. Vasiukov também disse que Korchnoi chutou. Após a partida, perguntei a Tigran o que tinha acontecido com Korchnoi. Ele respondeu: "Korchnoi? Jardim de infância! Mas Karpov - uau! "Anatoly ainda não é Campeão do Mundo.

Botvinnik não viu o valor de Karpov no início, mas quando foi que ele percebeu a escala do seu talento?
Ele estava fora de si, chorando ! Você simplesmente não pode compará-lo a Korchnoi. Acima de tudo, há uma diferença colossal no talento de xadrez.

Korchnoi não se tornar Campeão do Mundo foi merecido?
100 por cento. Ele nunca teve qualquer individualidade de todo.

Nas suas memórias, Korchnoi escreveu sobre você: "Começámos o match como amigos e terminámos como inimigos".
Isso é como foi em Belgrado. Desde então, nós não mantivemos contato.

Quem o rotulou de "xadrez Pushkin"?
Os joguslavos, pelos belos jogos. Admiro o elemento da arte no xadrez, que para mim é algo sublime. Lembra-se de Eugene Onegin? "Até Lensky, muito absorvido a olhar | Com seu próprio peão tira a própria torre ... "

É verdade que você sabe "Onegin", de coração?
Ambos Onegin e muito mais da poesia de Pushkin. Eu não aprendi especialmente. É o suficiente para lê-la uma vez para tudo  ficar na minha memória. Tal como acontecia com Paul Morphy, que conhecia todo o corpo da lei de Louisiana. Eles iriam abrir uma página aleatória e ele responderia sem hesitação. Seus parentes ficaram chocados: "Por que você precisa de xadrez? Você poderia se juntar ao circo ... "

Você é um desses grandes mestres que se lembra de todos os seus jogos?
Não, mas se eu dar um simultânia em 35 tabuleiros, posso reproduzir qualquer jogo desde o primeiro ao último lance. Às vezes as pessoas  tentam me enganar. Você se aproxima e de repente: "Você está acoplado!" "Só um segundo. Agora vou mostrar todo o jogo ". Torna-se imediatamente claro onde eles estavam fazendo batota.

Você já jogou contra amadores em comboios ou aviões?
Houve um caso. Quando já era grande mestre eu estava voltando a Leningrado, vindo de Moscovo. Estava uma rapariga sentada na carruagem. Mal tínhamos partido, quando um homem se precipita. Ele pergunta: "Vamos jogar xadrez?" "Talvez, mas você não tem muita esperança de ganhar". "Vamos ver isso." Colocámos as peças, e eu começo a cortá-lo acima! Em pedaços minúsculos.

Será que o seu sucesso impressionou a rapariga?
De modo nenhum. Enquanto o homem realmente perdeu a cabeça. Quando chegamos em Leningrado ele me seguiu desde a estação de trem por um longo tempo, gritando: "Você tem um talento incrível de xadrez" Eu balancei a cabeça: "Você não é a primeira pessoa a mencionar isso ..."

O xadrez existe hoje na sua vida ?
Eu jogo um pouco.

Com um computador?
Não, é mais interessante no tabuleiro. Eu coloco os pedaços e recordo os meus  jogos. Eu tenho um jogo magnético de bolso. É conveniente que as peças não caiam. Eu também comecei um projeto analítico enorme. Estou escrevendo sobre a minha carreira de xadrez. Espero conseguir terminá-lo.